segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

POEMA-FENDA



TEXTO-FENDA

Atividade de escrita recreativa, expressiva e lúdica que consiste em modificar um texto cortado verticalmente em duas metades, completando uma delas.

Os exemplos que se seguem foram construídos por dois alunos do 8º Ano da Escola Básica2,3 Tadim (Braga, 2005), a partir do poema “Arritmiade Miguel Torga:

Arritmia

A vida é lenta quando a morte tem pressa.
Faço ao corpo a promessa
De que vai acabar em breve o sofrimento
Que o tortura.
Mas, da sua clausura,
O coração,
Na cega obsessão
Com que nasceu,
Diz que não, diz que não,
A baralhar o tempo em cada pulsação
Como um relógio que endoideceu.

Miguel Torga, Diário XVI
Arritmia

A vida é lenta quando me entristeço.
Faço ao corpo a promessa do melhor.
De que vai acabar este gosto
Que o tortura.
Mas, da sua clausura da vida
O coração,
Na cega obsessão
Com que nasceu,
Diz que não, diz que não morreu
A baralhar o tempo
Como um relógio que endoideceu.

Carlos Egídio Martins
Coração em Arritmia

A vida é uma flecha quando a morte tem pressa.
Faz-me uma promessa
Fazendo acabar em breve o sofrimento
Porque o meu coração lhe dá alento.
Fecha-me em clausura,
E guarda-me nesta altura
Quando as lágrimas são
O meu,
Sofrimento que diz que não,
Quando o tempo em cada pulsação
Fica um relógio que endoideceu.

Ana Rita Silva




Partindo do tema "A Amizade", completa o seguinte poema de Alexandre O'Neill:

Amigo

Mal nos conh ___________________________________________
Inaugurámos a __________________________________________

"Amigo" é um __________________________________________
De boca em b ___________________________________________
Um olhar bem __________________________________________
Uma casa, m ___________________________________________
Um coração p ___________________________________________
Na nossa mã ____________________________________________
"Amigo" (reco __________________________________________
Escrupulosos ___________________________________________
"Amigo" é o c __________________________________________
"Amigo" é o e __________________________________________
Não o erro pe ___________________________________________
É a verdade p ___________________________________________

"Amigo" é a s ___________________________________________
"Amigo" é um __________________________________________
Um trabalho s ___________________________________________
Um espaço út ___________________________________________
"Amigo" vai s __________________________________________

(Para)Textos ‑ Português ‑ 7.º Ano. Ana Miguel de Paiva, Gabriela Barroso de Almeida, Noémia Jorge, Sónia Gonçalves Junqueira. Porto Editora, 2011, p. 210






O seguinte excerto de um poema de Manuel da Fonseca foi cortado ao meio, completa-o da forma mais expressiva possível:

O Vagabundo do Mar

Sou barco ______________________________________________
sou vagabundo __________________________________________
Não tenho ______________________________________________
nem hora _______________________________________________
é tudo _________________________________________________
tudo conforme __________________________________________
Muitas vezes ___________________________________________
largar o rumo___________________________________________
da praia ________________________________________________
Foi o vento _____________________________________________
foi o mar _______________________________________________
e não há ________________________________________________
ou foi _________________________________________________
de vagabundo ___________________________________________
Sei ___________________________________________________



Personagens pirata Tivo e arara Cria





Procede de igual modo com o poema do cabo-verdiano Jorge Barbosa:

Regres ______________________

Navio ond _____________________________________________
deitado so _____________________________________________

Aonde vai ______________________________________________
levado pe ______________________________________________

Que rumo ______________________________________________
navio do _______________________________________________

Aquele pa ______________________________________________
onde a vi _______________________________________________
é uma gra ______________________________________________
e um gran ______________________________________________

Leva-me c _____________________________________________
Navio _________________________________________________

Mas torna ______________________________________________


domingo, 18 de janeiro de 2015

Vamos rimar João e o Pé de Feijão!





Vamos rimar!
Apresentamos-te uma versão da conhecida história "João e o Pé de Feijão" narrada em verso, à qual foram suprimidas algumas palavras.
Seleciona, das palavras que encontras abaixo, aquelas que, pela rima e pelo sentido, completam a história.





Às dez da noite, pela escuridão,
Começou a crescer esse feijão,
Tão alto que a ponta se perdia
Entre as nuvens, quando nasceu o __________. […]
João era bem esperto, era ligeiro,
Trepou pelo enorme __________.
Foi trepando, trepando sem parar
Até o tronco enfim __________.
Um estranho horror então aconteceu,
O próprio céu à volta __________
Quando um medonho, rouco vozeirão
Se fez ouvir em modos de __________:
"RANA, CATAPLANA, VAI DE PANTANA,
CHEIRA-ME, CHEIRA-ME A CARNE HUMANA!"
Enquanto o diabo esfrega um olho,
Desceu, assustado, o pobre __________.
mãe", contou o rapaz engasgado,
"Há lá em cima um gigante __________,
Nas minhas veias o sangue gelou
Quando o monstro terrível me __________.” […]
"Afinal não me admira, porcalhão,
Só tomas banho no pino do __________;
Todos os dias te mando lavar
Mas tu tens medo de te __________. […]

Correu para casa, pegou no sabão,
Esfregou todo o corpo com __________:
Até as unhas, nariz e ouvidos,
Cabelos nojentos, pés __________.
Foi uma banhoca muito custosa
Mas ficou cheirando como uma __________.
Pelo tronco se pôs de novo a trepar.
No alto o gigante estava a __________. […]
"RANA, CATAPLANA, VAI DE PANTANA
NÃO ME CHEIRA A CARNE HUMANA."
Quando o gigante enfim adormeceu,
Mil folhas de ouro João __________
Já fora pobre, agora ao contrário,
Era, de repente, um __________.
"Tomar banho", disse ele, "é mais seguro.
Vou passar a lavar-me de __________."


Roald Dahl, Histórias em Verso para Meninos Perversos, tradução de Luísa Ducla Soares, Teorema, s. d. Adaptado e com supressões por Ana Miguel de Paiva, Gabriela Barroso de Almeida, Noémia Jorge, Sónia Gonçalves Junqueira(Para)Textos ‑ Português ‑ 7.º Ano. Porto Editora, 2011, p. 202.
  


sábado, 17 de janeiro de 2015

Haiku: Um caminho pessoal de despojamento e de procura do essencial




QUINZE HAIKUS JAPONESES
(mudados para português por Herberto Helder)


            Ervas do estio:
lugar onde os guerreiros
            sonham.

*

            Um cuco
foge ao longe — e ao longe,
            uma ilha.

*

            Primeira neve:
bastante para vergar as folhas
            dos junquilhos.

(Bashó)
*

            Libélula vermelha.
Tira-lhe as asas:
            um pimentão.

(Kikaku)

*

Pimentão vermelho.
Põe-lhe umas asas:
            Libélula.

(Correcção de Bashô)

*

Pelo meio do arrozal
vou até à ameixoeira —
para ver o seu perfume.

*

            Pirilampos
sobre o espelho da ribeira.
Dupla barragem de luz

*

            Festa das flores.
Acompanhando a mãe,
            uma criança cega.

(Kikaku)

*

Casa sob as flores brancas.
            Onde bater?
Mancha sombria da porta.

(Kyorai)

*

            Crescente lunar.
O tubarão esconde a cabeça
            debaixo das vagas.

(Shikô)

*

A lua deitou sobre as coisas
uma toalha de prata.
Azáleas brancas.

*

Monte de Higashi.
Como o corpo
sob um lençol.

(Ransetsu)

*

Caracol,
lento, lento, lento — sobe
o Fuji.

*

Um cuco
cuja voz se arrasta
sobre as águas.

(Issa)

*

            Ah, o passado.
O tempo onde se acumularam
            os dias lentos.

(Busson)




Herberto Helder, O Bebedor Nocturno (1961-1966).
Apud: Poesia Toda, Lisboa, Assírio & Alvim, 1990.



Retrato e poema de Matsuo Bashō
 pelo artista Yokoi Kinkoku, 1820 (Era Edo)


a vida demora tanto
como um aguaceiro de inverno
diz Sôgi

                     *

polvilho os meus ouvidos
com incenso
e assim ouço melhor o cuco

                     *

quero contemplar uma flor
à primeira luz do dia
para ver a face de um deus

                     *

o coração viajante não se enraíza
antes quer ser
braseira ambulante

O Eremita Viajante, Matsuo Bashô. Lisboa, Assírio & Alvim, 2016. Tradução: Joaquim M. Palma



Traduzir qualquer haiku é uma tarefa arriscada e, talvez mesmo impossível. A exactidão da forma dificilmente se consegue transpor para o português sem sacrificar a fidelidade às palavras e, sem a exactidão da forma, grande parte da armadilha de simplicidade do poema na sua língua original se esfuma. Por exemplo, cada haiku deve incluir num dos seus três versos um kigo, uma palavra ou ideia associável a uma estação do ano. Um exemplo simples: para os japoneses a palavra cigarra tem uma particular ligação agradável com paisagens de verão. Para um português esta ideia poderá não parecer estranha, mas em muitas outras culturas a cigarra pouco mais será do que um ruído que incomoda. Muitas destas palavras-estação perdem a sua função quando passadas para qualquer outra língua e afastam o leitor para perigosamente longe do ponto de partida. Mas as dificuldades vão muito para lá destes exemplos.

Traduzir Bashô, provavelmente o melhor praticante do género, é o Risco entre os riscos. Também por isso, Joaquim M. Palma, ciente da impossibilidade última de traduzir um haiku, apresenta o seu trabalho como versão, que é, afinal de contas, a tradução possível para o português. Não se pense, contudo, que se trata de um trabalho menos exigente. Ao passar Bashô para outra língua, um bom tradutor deve ser muito menos isso e muito mais leitor-autor. A compreensão da origem e a constante comparação com outras soluções de tradução, se possível no maior número de línguas possíveis, é fundamental e o longo ensaio introdutório de Joaquim M. Palma evidencia esse trabalho. Mas a parte do autor está noutro lugar, na capacidade invejável de compreender a linguagem poética de Bashô e de a converter naquilo que seria, indubitavelmente, um poema na língua de chegada capaz de deixar a mesma deliciosa impressão capturada no japonês. Este é o verdadeiro teste do bom tradutor de haiku, o conseguir ser também autor, e Joaquim M. Palma supera-o com distinção.


A poesia haiku com a sua postura não didática, centrada no momento e no presente, frugal na expressão e ligada à Natureza constitui uma afirmação de valores que vão contracorrente dos valores hodiernos da comunicação pessoal e social e da vida quotidiana das sociedades industrializadas. Assim, escrever haiku não é linearmente equivalente a escrever qualquer outro tipo de poesia: pressupõe - como dizia um dos seus maiores cultores, Matsuo Bashô - a procura de um conjunto de valores, uma via de transformação pessoal que aproxima o caminhante de uma visão do mundo da qual emerge a atitude e a escrita haiku. Um caminho pessoal de despojamento e de procura do essencial. (...)

David Rodrigues, Prefácio a De frente para o mar. Poesia haiku contemporânea
Coimbra, Terra Ocre Edições, 2010. ISBN 978-972-8999-95-7


*

O haiku é uma forma tradicional de poema japonês. Este tipo de poema obedece a regras e é por isso fácil de construir. Tem apenas uma estrofe, composta por três versos.
Os versos devem ter no seu conjunto 17 sílabas, distribuídas do seguinte modo:
– Cinco sílabas no primeiro verso.
– Sete sílabas no segundo verso.
– Cinco sílabas no terceiro verso.
A temática destes poemas é a Natureza (as plantas, os animais, a chuva, o sol, a lua, os jardins, etc.)
É escrito no Presente do Indicativo, como se o Poeta presenciasse naquele momento a cena que descreve.
Exemplos:
A- bri-sa- su-a-ve
Si-len-ci-o-sa- pas-sei-a
Na á-gu-a- do- la-go

No- chão- do- jar-dim
U-ma- lu-a - va-ga e- len-ta
So-lu-ça- so-zi-nha




PROPOSTA DE EXPRESSÃO ESCRITA:

Escreve um haiku, procurando cuidadosamente as palavras mais adequadas. Segue as seguintes pistas de escrita:
– Esmera-te nos adjetivos (frágil, silencioso, vago, lento, diáfano, transparente, solitário, dolente, etc.) e nos elementos da Natureza que escolheres (o lago, a flor, o sol, a árvore, a colina, o prado, o caminho, a flor, o sapo, o nenúfar, a pedra, etc.)
– Conta as sílabas de cada verso apenas até à última sílaba tónica.

Alzira Cabral, Mil Textosdestacável da revista Noesis n.º 72, Janeiro 2008.



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domingo, 11 de janeiro de 2015

Há dias em que basta olhar de frente as gárgulas para vê-las golfar sangue (Herberto Helder)






Há dias em que basta olhar de frente as gárgulas
para vê-las golfar sangue. É quando
a pedra está a prumo, quando a estaca
solar se crava atrás das casas e amadurece
como uma árvore.
Mas também ouvi a água bater directa
nas trevas. Por um abraço do sangue eu estava
condenado
ao extravio mortal. Era um dom que me fundia
à substância primária
do terror.
E à riqueza e energia. E à tremenda
doçura humana. Vejo algerozes escoando a massa
das cúpulas, a forma, supremas rosas de pedra
rotativa.

E que leão me beijou boca a boca, juba e cabelo
trançados numa chama única?
Esse beijo afundou-se-me até às unhas.
Aparelhou-me para besta
soberba, para o sono, o brilho, a desordem
ou a
carnificina. De que leite ardido, de que matriz
ou opulência terrena,
nos vem a danação? Se a pedra
tem uma raiz buscando vida em que teias de carne,
há em cima um Deus agudo,
de fenda no casco, e braços tão abertos que apanha todo o basalto,
como uma estrela elementar. Atrás
das rosáceas
desabrochadas. Do movimento de estátuas
arcangélicas plantadas no refluxo
da pedra. Boca: 
bolha de sangue.

E há uma palpitação soturna, uma
delicadeza no cerne: o osso vertebral que assenta
ao meio, no ânus:
o falo — e em torno
gira a catedral. Lenta dança de Deus, da escuridão.
para o alto.

O leve poder da lua apenas queima os olhos.

Herberto Helder, Flash. Abril 1980.
Apud Poesia TodaLisboa, Assírio & Alvim, 1990



Notre Dame Gargoyle - Paris, Jen White (upload 25-04-2011)




Notre Dame Gargoyle Waterspouts por Danielle A. Davey




Gárgula.
Por dentro a chuva que a incha, por fora a pedra misteriosa
que a mantém suspensa.
E a boca demoníaca do prodígio despeja-se
no caos.
Esse animal erguido ao trono de uma estrela,
que se debruça para onde
escureço. Pelos flancos construo
a criatura. Onde corre o arrepio, das espáduas
para o fundo, com força atenta. Construo
aquela massa de tetas
e unhas, pela espinha, rosas abertas das guelras,
umbigo,
mandíbulas. Até ao centro da sua
árdua talha de estrela.
Seu buraco de água na minha boca.
E construindo falo.
Sou lírico, medonho.
Consagro-a no banho baptismal de um poema.
Inauguro.
Fora e dentro inauguro o nome de que morro.

Herberto Helder, Última Ciência. 1985, revisto em 1987.
Apud Poesia TodaLisboa, Assírio & Alvim, 1990



Gargouille de la cathédrale Notre-Dame de l'Annonciation de Moulins.
Foto de Vassil, 07/07/2009