quarta-feira, 17 de setembro de 2014

QUEDA DO IMPÉRIO (Vitorino)


  



QUEDA DO IMPÉRIO

Perguntei ao vento 
Onde foi encontrar 
Mago sopro encanto 
Nau da vela em cruz 
Foi nas ondas do mar 
Do mundo inteiro 
Terras da perdição 
Parco império mil almas 
Por pau de canela e Mazagão 

Pata de negreiro 
Tira e foge à morte 
Que a sorte é de quem 
A terra amou 
E no peito guardou 
Cheiro da mata eterna 
Laranja Luanda 
Sempre em flor.
    
Vitorino, Flor de la mar (LP, EMI, 1983)



Ficha de abordagem sobre o tema musical “Queda do Império”



1. Este texto é um poema musicado. Transforma o primeiro grupo de versos em prosa, utilizando a devida pontuação.
2. Que representou o  “mago  sopro  encanto ”(  l.3)  para  o  poeta?  Quais  foram  as consequências?
3. Identifica  e  destaca  a  expressividade  da  figura  de  estilo  presente  na  expressão: “Laranja Luanda”(penúltimo verso)
4. Justifica a razão do título estabelecendo  uma  relação  com  as  suas  características musicais (ritmo, melodia e harmonia).
5. Partindo da temática desta canção, estabelece um paralelismo com a última frase do sermão do Pe. António Vieira: “Como não sois capazes de glória, nem de graça, não acaba o vosso sermão em graça e glória “.
  
José Manuel Cardoso Belo. Vila Real, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2010, p. 179.


Textos de apoio
       
A Simbiose Sinestésica Intertextual da Poesia Musicada em Sala de Aula: “Queda do Império” (letra e música de Vitorino)
Ritmo ‑ Ternário em estilo de valsa
Melodia ‑ suave e intuitiva
Harmonia ‑ Rica com harpejos simples.
Análise Semântica ‑ “A Queda do Império” de Vitorino, do álbum “Flor dela mar” de 1983, simboliza a presença portuguesa que se espalhou pelos quatro cantos do mundo durante a época dos descobrimentos.
O  canto  versa  a  sedução  que  as  terras  descobertas  exerceram  sobre  os portugueses. O ritmo lento, suave, ao estilo da valsa, com melodia agradável, empresta ao tema uma sensação de nostalgia por parte de que mamou verdadeiramente a terra – Luanda,  como  sinédoque  das  terras  descobertas  pelos portugueses.  Este  tema musical conduz-nos  a  uma  reflexão  sobre  a  queda  do  império  português,  as razões  de  um fracasso  em  terras  prósperas  das  quais  nos  poderíamos  vangloriar caso  tivéssemos realizado uma colonização sem escravatura, sem a exploração desmedida dos recursos das diversas colónias. Também as notícias que relatavam navios que se afundaram por excesso  de  carga.  Em  muitas  delas  estão  comentadas na  Peregrinação de  Fernão Mendes Pinto e também interpretadas no álbum de Fausto Bordado Dias – Crónicas da Terra Ardente nos temas: “O mar, a Ilha e de um miserável naufrágio que passamos”. O mágico “sopro encanto” conduziu os portugueses à terra de perdição, restando somente a  consolação  do  cheiro  da  mata  angolana  como símbolo  de  todos  quantos  realmente puderam  viver  um  amor  recíproco  em detrimento  do  espírito  mercantilista  da exploração, quer de pessoas quer de bens.
É, deste modo, que Vitorino, através de um tema nostálgico para os portugueses, o ultramar, testemunha a queda do império tão caro à nossa identidade cultural.
      
José Manuel Cardoso Belo. Vila Real, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2010, p. 129.
         

         

 Flor de La Mar será novamente um trabalho marcante a todos os títulos, chegando o seu autor a explanar uma variedade de acompanhamentos instrumentais que rompia com os limites habituais da 'canção de palavra' nacional. Nesse período, surgiu outra das canções que ajudou a definir a categoria e a atitude de uma carreira - canção chamada "Queda do Império".
         
          
Poderá também gostar de:
   
 Poesia útil e literatura de resistência” (A literatura como arma contra a ditadura e a guerra colonial portuguesas), José Carreiro



                     


[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2014/09/17/queda-do-imperio.aspx]

terça-feira, 16 de setembro de 2014

E DEPOIS DO ADEUS


  



E DEPOIS DO ADEUS


Quis saber quem sou 
O que faço aqui 
Quem me abandonou 
De quem me esqueci 
Perguntei por mim 
Quis saber de nós 
Mas o mar 
Não me traz 
Tua voz. 
Em silêncio, amor 
Em tristeza e fim 
Eu te sinto, em flor 
Eu te sofro, em mim 
Eu te lembro, assim 
Partir é morrer 
Como amar 
É ganhar 
E perder. 
Tu vieste em flor 
Eu te desfolhei 
Tu te deste em amor 
Eu nada te dei 
Em teu corpo, amor 
Eu adormeci 
Morri nele 
E ao morrer 
Renasci. 
E depois do amor 
E depois de nós 
O dizer adeus, o ficarmos sós 
Teu lugar a mais, tua ausência em mim 
Tua paz que perdi 
Minha dor que aprendi 
de novo vieste em flor 
Te desfolhei... 
E depois do amor e depois de nós 
O adeus 
O ficarmos sós.

Letra: José Niza
Música: José Calvário
Interpretação: Paulo de Carvalho, Festival da Canção, 1974


Ficha de abordagem do tema musical “E depois do Adeus”

       



1. A melodia apresenta uma dicotomia ao longo da canção.

a) Identifica-a.

b) Relaciona-a com o texto.

2. Identifica o interlocutor do poeta. Justifica.

3. Aponta a figura de estilo presente na expressão: “Tua ausência em mim”, verso 33. Destaca a sua expressividade.

4. Reportando-te à época em que foi interpretada a canção salienta a importância do desejo do poeta ao referir “…o ficarmos sós” (no último verso).

5. Identifica a  personagem  da  peça  Frei  Luís  de  Sousa  que  melhor  se  ajusta  à mensagem expressa nos nove primeiros versos. Justifica.

       
José Manuel Cardoso Belo. Vila Real, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2010, p. 177.

       

       

Texto de apoio

           Génese da canção

«A cantiga nasceu com o José Niza, autor da letra, e o José Calvário, autor da música, para concorrerem ao festival da canção. Entrelinhas tentava-se dar alguns recados às pessoas daí o ´quis saber quem sou, o que faço aqui`. Não era direta, tinha alguns recados, mas era essencialmente uma canção de amor. A letra tem coisas muito bonitas que pouca gente sabe, conta Paulo de Carvalho, em entrevista à Câmara Municipal de Lisboa, que pode ver na íntegra nesta página.

O José Niza fez a tropa em Angola, durante a guerra do Ultramar e este ´quis saber quem sou, o que faço aqui, quem me abandonou, de quem me esqueci` são alguns escritos que ele fez para a Blo, a sua companheira, a sua mulher, em cartas que era o que ele pensava, as questões que ele punha.

Depois, o José Calvário agarrou na música e ambos construíram esta cantiga que venceu aquele festival da RTP e depois foi escolhida para o que foi. Só anos depois é que eu soube porque é que foi, como foi, tudo isso.»

«’E depois do adeus’. A senha da revolução, explicada por Paulo de Carvalho», https://www.lisboa.pt/atualidade/noticias/detalhe/e-depois-do-adeus-a-senha-da-revolucao-explicada-por-paulo-de-carvalho, 25.04.2021    

A Simbiose Sinestésica Intertextual da Poesia Musicada em Sala de Aula: “E Depois do Adeus” (Letra de José Niza e música de José Calvário)

Ritmo ‑ Quaternário majestoso

Melodia ‑ Muito rica, elaborada à base de piano e orquestra. Verifica-se mudança de tom entre as estrofes e o refrão. Enquanto as primeiras quadras estão em tom menor, por sua vez, o refrão está em tom maior. De fácil memorização, a melodia revela emoção em crescendo e termina reforçada com o refrão em apoteose.

Harmonia ‑ Elaborada, com multi-acordes, entrelaçados com a orquestra e a voz.

Análise Semântica ‑ O poeta questiona-se sobre a sua própria identidade, desejando um país  de  quem  não  tem  resposta:  “quis  saber  de  nós  mas  o  mar não  me  traz  tua  voz”. Perante uma ausência prolongada, surge um sentimento nostálgico de sofrimento.

O  discurso  metafórico  prossegue  com  a  imagem  de  um  país  projetado  numa flor desfolhada pelo poeta que adquiriu forças de uma Fénix renascida. Surge, após o amor, a ausência, a pena, a revolta colmatada com alembrança de um momento feliz – o reencontro.

O cantautor termina com a vontade de ficarem sós desfrutando da união, da “partilha amorosa” com o seu país.

De salientar a existência de alguns versos curtos, alguns trissilábicos, outros de cinco sílabas, em ritmo vivo, em frases que transparecem energia, vontade em atingir o seu  grande objetivo através do grito: “o  ficarmos sós”, o reencontro com o país, testemunhado  pela  parte  final  da  música  em  apoteose. Finalmente,  o  destaque para  a utilização  de  uma  linguagem  metafórica  para,  desta  forma,  poder  passar pelo  “lápis azul” da censura.

José Manuel Cardoso Belo. Vila Real, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2010, p. 130.


       

Duas canções, uma revolução: a história de "Grândola Vila Morena" e "E Depois do Adeus"


      

Há 40 anos, a operação militar que alteraria o curso da História de Portugal foi desencadeada por duas canções com origens e vozes diferentes. Porquê "Grândola Vila Morena" e "E Depois do Adeus" no 25 de Abril de 1974?


        
Otelo Saraiva de Carvalho revelou-se um estratega capaz dirigindo as operações militares que resultaram na revolução de 25 de Abril de 1974, mas não se pode dizer que a estratégia musical empregue na escolha das senhas da revolução tenha sido delineada de forma igualmente brilhante pelo militar. 

Quarenta anos depois da revolução dos cravos, Paulo de Carvalho explica à BLITZ que "E Depois do Adeus", o tema com que venceu o Festival RTP da Canção realizado a 7 de março de 1974, esteve para não ser a primeira senha do 25 de Abril: "sei hoje que houve uma reunião no Apolo 70 entre o Otelo, o Costa Martins, que foi Ministro do Trabalho no tempo de Vasco Gonçalves, e o [radialista] João Paulo Diniz [que à altura trabalhava nos Emissores Associados de Lisboa e no Rádio Clube Português]. A ideia do Otelo era que a primeira senha fosse o "Venham Mais Cinco", do José Afonso, mas foi o João Paulo Diniz que o convenceu de que essa canção, de um autor proibido pelo regime, poderia levantar suspeitas. E foi ele também que sugeriu o "E Depois do Adeus", que poderia ser tocado sem fazer soar nenhum tipo de alarme". 

Num documento secreto onde se explicava aos comandantes operacionais a estratégia para a madrugada de 25 de Abril, Otelo Saraiva de Carvalho indicava as duas senhas de transmissão radiofónica que espoletariam as operações militares da revolução que se seguiria: "Às vinte e duas horas e cinquenta e cinco minutos (22H55) do dia 24 Abr 74 será transmitida pelos "Emissores Associados de Lisboa" uma frase indicando que faltam cinco minutos para as vinte e três horas (23H00) e anunciado o disco de Paulo de Carvalho, "E Depois do Adeus"". O tema de José Afonso deveria ouvir-se mais tarde: "entre as zero horas (00H00) e a uma hora (01H00) do dia 25 Abr 74, através do programa da Rádio Renascença, será transmitida a seguinte sequência: Leitura da estrofe do poema "Grândola Vila Morena" "Grândola Vila Morena / Terra de fraternidade / O povo é quem mais ordena / Dentro de ti ó cidade"; Transmissão da canção do mesmo nome interpretada por José Afonso". 

"E Depois do Adeus" é um tema com letra de José Niza e música de José Calvário. Paulo de Carvalho recorda hoje que a canção foi escrita por aquela dupla com a sua voz em mente. "Achei a cantiga muito bonita e aceitei logo cantá-la. O texto foi feito com a escolha de pequenas frases das cartas que o Niza enviava à sua mulher, Isabel, quando se encontrava estacionado em Angola: "Quis saber quem sou", "O que faço aqui?", "Quem me abandonou?", "De quem me esqueci?"". 

Nessa altura, "costumávamos encontrar-nos no Penedo, em casa do [jornalista] António Rolo Duarte, e era aí que tomava conhecimento das canções que iam sendo escritas". Uma delas foi "E Depois do Adeus", tema que se revelou vencedor no XI Grande Prémio TV da Canção 1974 (vulgo Festival da Canção), mas que em Brighton, no Festival da Eurovisão, se quedou pelo último lugar da tabela: "a RTP nunca quis ganhar o Festival", lamenta o cantor. "Nem havia onde realizar o festival por cá. Não estou a ver um autocarro de 50 lugares a estacionar à frente do Coliseu para descarregar a delegação de Israel e toda a segurança que levava para todo o lado". 

Outra vida e outra gestação teve "Grândola Vila Morena", tema que José Afonso escreveu a 17 de Maio de 1964, praticamente dez anos antes da revolução, quando conduzia um automóvel com que regressava a Lisboa, acompanhado pelos guitarristas Fernando Alvim e Carlos Paredes, de uma apresentação na inspiradora vila alentejana. O tema seria depois gravado em França, em 1971, como parte do álbum Cantigas do Maio, que contou com produção de José Mário Branco. Francisco Fanhais, que juntamente com o guitarrista Carlos Correia, José Afonso e José Mário Branco foi um dos quatro envolvidos na gravação da canção, recordou à BLITZ a história desse registo, no famoso estúdio do Chateau d'Hérouville: "aqueles passos que se ouvem no início não são de soldados, foram captados em estúdio numa espécie de encenação do tipo de ambiente criado pelos grupos corais alentejanos. Foi esse o ambiente que o Zé Mário quis reproduzir". 

O tema passou incólume pelas malhas da censura, que se revelaram apertadas sobre outras obras de José Afonso, e obteve luz verde para ser interpretado no Primeiro Encontro da Canção Portuguesa, evento que contou com marca da Casa da Imprensa, acontecendo em finais de março de 1974 no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, quando já sopravam fortes os ventos revolucionários. Francisco Fanhais estava então em França e tomou conhecimento da revolução na manhã de 25 de Abril: "Fiquei na dúvida, tal como muita gente, se era um golpe da direita ou de democratas que queriam alterar o regime. As dúvidas desfizeram-se quando percebi o papel da "Grândola Vila Morena": nenhum fascista teria escolhido um tema assim para uma revolução". 


              

Poderá também gostar de:

              
 “José Niza: E Depois do Adeus?”, uma mini série de 3 programas dedicados ao músico José Niza. Realização de Armando Carvalhêda e António Macedo. Primeira Emissão: 2011-12-25. 3º programa disponível em: http://www.rtp.pt/play/p785/e67986/jose-niza-e-depois-do-adeus




 Poesia útil e literatura de resistência” (A literatura como arma contra a ditadura e a guerra colonial portuguesas), José Carreiro

   

                        


[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2014/09/16/e-depois-do-adeus.aspx]
Última atualização: 13-03-2024

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O BARCO VAI DE SAÍDA (Fausto)





O barco vai de saída
Adeus ó cais de Alfama
Se agora vou de partida
Levo-te comigo ó cana verde
Lembra-te de mim ó meu amor
Lembra-te de mim nesta aventura
P’ra lá da loucura
P´ra lá do equador

Ah! mas que ingrata ventura bem me posso queixar
Da pátria a pouca fartura
Cheia de mágoas ai quebra mar
Com tantos perigos ai minha vida
Com tantos medos e sobressaltos
Que eu já vou aos saltos
Que eu vou de fugida

Sem contar essa história escondida
Por servir de criado a essa senhora
Serviu-se ela também tão sedutora
Foi pecado.
Foi pecado!
E foi pecado sim senhor!
Que vida boa era a de Lisboa!

Gingão de roda batida
Corsário sem cruzado
Ao som do baile mandado
Em terras de pimenta e maravilha
Com sonhos de prata e fantasia
Com sonhos da cor do arco-íris
Desvairas se os vires
Desvairas magia

Já tenho a vela enfunada
Marrano sem vergonha
Judeu sem coisa sem fronha
Vou de viagem ai que largada
Só vejo cores ai que alegria
Só vejo piratas e tesouros

São pratas são ouros
São noites são dias

Vou no espantoso trono das águas
Vou no tremendo assopro dos ventos
Vou por cima dos meus pensamentos
Arrepia
Arrepia
E arrepia sim senhor
Que vida boa era a de Lisboa

O mar das águas ardendo
O delírio dos céus
A fúria do barlavento
Arreia a vela e vai marujo ao leme
Vira o barco e cai marujo ao mar
Vira o barco na curva da morte
Olha a minha sorte
Olha o meu azar

E depois do barco virado
Grandes urros e gritos
Na salvação dos aflitos
Esfola, mata, agarra
Ai quem me ajuda
Reza, implora, escapa
Ai que pagode
Reza tremem heróis e eunucos
São mouros são turcos
São mouros acode

Aquilo é uma tempestade medonha
Aquilo vai p´ra lá do que é eterno
Aquilo era o retrato do inferno
Vai ao fundo
Vai ao fundo
E vai ao fundo sim senhor
Que vida boa era a de Lisboa.
      
Letra e música de Fausto Bordalo Dias, in Por este rio acima, 1982

Por este rio acima é o sexto álbum de Fausto, editado em 1982. É o primeiro disco da trilogia inacabada "Lusitana Diáspora", que inclui ainda o álbum Crónicas da Terra Ardente (1994). Baseia-se nas viagens de Fernão Mendes Pinto, relatadas na sua Peregrinação. É considerado geralmente pela crítica um dos álbuns mais marcantes da música de intervenção portuguesa das últimas décadas.

               

Ficha de abordagem sobre o tema “O barco vai de saída” (Fausto)




I

COMPREENSÃO DO ORAL

Escute a canção “O barco vai de saída”, de Fausto.

Relacione as expressões da coluna A com os tópicos da coluna B, de forma a indicar os factos relatados na canção.

Coluna A

Coluna B
A.    “O barco vai de saída”
B.    “P’ra lá do equador”
C.    “bem me posso queixar / Da Pátria a pouca fartura”
D.   “Sem contar essa história escondida / Por servir de criado a essa senhora”
E.    “Em terras de pimenta e maravilha / Com sonhos de prata e fantasia”
F.    “O mar das águas ardendo / O delírio dos céus / A fúria do barlavento”
G.   “Vira o barco e cai marujo ao mar / Vira o barco na curva da morte”

1.      Razão da partida.
2.     Índia como terra de riqueza e beleza.
3.     História de amor antiga.
4.    Destino da viagem marítima.
5.     O naufrágio.
6.    Partida de Lisboa.
7.     Os perigos da viagem marítima.

Chave de resposta: A-6; B-4; C-1; D-3; E-2; F-7; G-5. (in Letras & Companhia 9, C. Marques e I. Silva, ASA, 2013) 

II
Classifique o tema musical de acordo com:
a) o ritmo
b) a melodia
c) a harmonia
III
1. Como é que o autor nos descreve a pátria?
2. A quarta estrofe caracteriza o marinheiro que personifica a mundividência, o espírito português da época. Elabore um comentário.
3. O poema surge marcado pelas antíteses. Aponte duas salientando a sua importância.
4. Saliente o realismo expresso na 8ª estrofe. Destaca a linguagem irónica aí presente.
5. Comente a perspetiva apresentada pelo poeta relativamente à mentalidade do marinheiro português que, por extensão, personifica o povo.     

José Manuel Cardoso Belo. Vila Real, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2010, p. 171.

         
IV
Leia o seguinte trecho tirado da obra Peregrinação e que serviu de inspiração à canção “O barco vai de saída”. Responda depois às perguntas abaixo:
“Ainda muito jovem vim para Lisboa onde um tio meu me pôs ao serviço de uma senhora de geração nobre e de parentes ilustres. Sucedeu-me então um caso que me pôs a vida em tanto risco que para a poder salvar me vi forçado a sair naquela mesma hora de casa, fugindo com a maior pressa que pude. Indo assim tão desatinado, entre outros medos, e sem trabalho que bastasse para minha sustentação, decidi embarcar-me para a Índia, ainda que com poucas ilusões. Já disposto a toda a ventura, ou má ou boa, que me sucedesse”.
       
1. Relacione o texto de Fernão Mendes Pinto com a canção. Destaque os versos que mencionam as razões que levaram o narrador a embarcar para a Índia.
2. Como antevisão da viagem, o narrador apresenta o que o espera ao longo da viagem: não só as expectativas, mas também os perigos. Quais são as expectativas de quem parte e quais os perigos que pode correr?
3. O verso “Que vida boa era a de Lisboa” aparece três vezes ao longo da canção. Tente explicar porquê.
4. Porque é que uma viagem à Índia ou ao Oriente em geral era considerada no século XVI uma “aventura / P’ra lá da loucura”?
5. Selecione algumas figuras de estilo (epítetos, metáforas etc.) que revelam o carácter medonho de uma tempestade no mar.
6. Qual é o tema da canção? Que sentimentos domina o narrador? Apoie a sua resposta nos versos da canção.
7. Repare que (quase) todos os verbos da canção são utilizados no Presente do Indicativo. Explique porquê.    


                   

Texto de apoio
       

A Simbiose Sinestésica Intertextual da Poesia Musicada em Sala de Aula: “O barco vai de saída” de Fausto.
Ritmo ‑ Quaternário, popular, emotivo, mesmo esfusiante, marcado pelo bombo, pelo cavaquinho ao estilo da música tradicional portuguesa.

Melodia ‑ Muito rica, com a voz principal e as do coro com variações em tom menor nas quadras e maior no refrão.

Harmonia ‑ A conjugação de instrumentos tão diversos mas populares propiciam um conjunto de sons agradáveis.

Análise Semântica  Este tema é também considerado de intervenção, porquanto Fausto Bordalo Dias se preocupa em divulgar um espaço da nossa História Portuguesa menos conhecido, ao qual urge dar voz. Segundo ele, há que repor a justiça, no reconhecimento dos mais indefesos, dos mais desprotegidos e geralmente dos mais sacrificados. A este propósito, apraz refletir sobre o que argumenta Barata-Moura (1977:138),

Se é certo que as revoluções não se fazem com canções no sentido de serem estas a determinarem-nas principalmente na ordem da causalidade, também é certo que se não fazem com palavras ou com escritos. No entanto, importa não esquecer o lugar das canções, das palavras, dos escritos, no duro combate ideológico que não só acompanha as revoluções mas toda a luta de classes em geral.
Trata-se de uma ação que não pode deixar ser encarada dialeticamente, já que não é apenas das cabeças de quem pensa, escreve ou canta que estas produções ideológicas saem. Elas mergulham as suas raízes no viver quotidiano dos homens e das mulheres ao serviço de quem procuram estar. É da sua vivência, da sua auscultação, da sua compreensão, da participação numa luta que é comum, que podem recolher, enquanto elaborações da consciência que são a força, a justiça, a razão de ser, de que se encontram animadas.

Este trabalho pretende realçar a capacidade poética do cantautor. Efetivamente, a sua intervenção é considerada como de excelente inspiração musical bem como de irreprimível execução técnica tanto do cantor principal como dos restantes músicos casos de Júlio Pereira, Pedro Caldeira Cabral e Rui Júnior, entre outros, considerados dos melhores instrumentistas nacionais. Um trabalho poético tal como iremos analisar, conjugado com uma criatividade musical de referência, surgiu naturalmente uma simbiose sonora peculiar. De acrescentar a utilização criteriosa dos sons dos nossos instrumentos tradicionais tais como da guitarra portuguesa, cavaquinho, viola braguesa, acordeão, adufes, ferrinhos, flautas, bombo, palmas e vozes que imprimem um cariz puramente popular e simultaneamente uma dimensão contemporânea, inovadora. A identidade musical de Fausto B. Dias, a sua patente em termos de estilo gerou este tema que integra o álbum “Por este rio acima”‑ uma obra-prima que alargou e ajudou a solidificar o panorama da História da Música Portuguesa.

O poema “O Barco Vai de Saída”, pela sua importância, pelo valor emblemático que alcança, merece especial destaque porquanto aborda, de uma forma sintética, todos os momentos gerados pelos Descobrimentos.

Este poema assume-se, por isso, como paradigma dos descobrimentos. É o que se pode comprovar, desde logo, na primeira estrofe, na qual o leitor experimenta as sensações de entusiasmo, de euforia, por parte dos marinheiros em busca de uma prometida vida melhor:

O barco vai de saída / Adeus ó cais de Alfama
Se agora vou de partida /Levo-te comigo ó cana verde
Lembra-te de mim ó meu amor/ Lembra-te de mim nesta aventura
P’ra lá da loucura /P’ra lá do Equador.
(…) Só vejo cores ai que alegria …
O marinheiro, “outrando-se“ já de pirata, sem escrúpulos, refere a sua ambição:
Corsário sem cruzado /em terras de pimenta e maravilha
(…) Com sonhos de prata e fantasia /Com sonhos da cor do arco-íris

O delírio esfusiante, contudo, efémero, contrastava com a pouca fartura, as fracas condições de vida que a Pátria lhe oferecia. É aliás, também por esse facto que o marinheiro – entenda-se, por sinédoque, ‑ o povo português, ‑ se sente impelido a defrontar-se contra os previsíveis e imprevisíveis perigos - quer do Mar numa primeira fase, quer do Desconhecido, numa fase posterior. O poeta refere ainda a história secreta dos amores correspondidos com uma senhora que se serviu dele de uma forma amorosa mas furtiva, pecado que assumiu com toda a frontalidade, sem qualquer espécie de preconceitos, apoiado inclusive pelo coro. Era o que ele considera uma excelente recordação da vida boa que se levava em Lisboa:

Ah mas que grata ventura/bem me posso queixar /
Da Pátria a pouca fartura/Cheia de mágoas ai quebra – mar
(…) Que eu vou de fugida sem contar essa história escondida
Por servir de criado essa senhora /serviu-se também tão sedutora
Foi pecado, foi pecado /E foi pecado sim senhor
Que vida boa era a de Lisboa.


Esta passagem, segundo Reis (1978:131), evoca o “Auto da Índia, em termos de “intertextualidade de grau mínimo”. Gil Vicente, à semelhança deste tema musical, aborda de uma forma também satírica, a vida de algumas pessoas de costumes dissolutos, aprazíveis. Esta vida, considerada depravada, fácil “de Lisboa”, pretende contrastar dramaticamente com a dureza, a crueldade das situações vividas durante as viagens, que serão múltiplas e complexas.

Fausto, de seguida, identifica-se como corsário sem cruzado, sem dinheiro. Esta nova personalidade, um heterónimo resultante desta situação de marinheiro, irá reiterar a nova identidade do marinheiro português. Esta perspetiva de se considerar pirata contrasta com os habituais cânones do Classicismo. A noção de herói converte-se em anti-herói, em herói pícaro. Poder-se-á referir que o marinheiro está pronto, “ao som do baile mandado” por um qualquer capitão português, em terras maravilhosas e de fartura, a roubar e a matar para concretizar o seu sonho da cor da sedução e da fantasia; ele não terá escrúpulos, não olhará a meios para atingir os fins – o odor da pimenta e a beleza da prata endoidece qualquer um:

Gingão de rota batida /Corsário sem cruzado/
Ao som do baile mandado /Em terras de pimenta e maravilha
Com sonhos de prata e fantasia /Com sonhos da cor do arco-íris
Desvairas se os vires /desvairas magia

Na estrofe seguinte, o júbilo do pirata, o esplendor do início da viagem, vai-se esmorecendo sobre o menosprezo que recai nos seus companheiros de viagem, apelidados de marranos (porcos, sujos) e judeus sem carácter. De acrescentar, segundo Cruz (1989:84), que a tripulação era também constituída por degredados – condenados à morte, mas com comutação de pena – e os arrenegados soldados que iam trabalhar para outros exércitos. Quando alguns destes regressavam ao país eram integrados nas expedições.

Esta caracterização dos companheiros reflete-se na sua reputação de corsário.

Ele sente-se rodeado de corsários, considerando-se obviamente um elemento integrante do grupo.

A terceira estrofe termina com a alusão ao medo provocado pelos fortíssimos ventos que contrastam, uma vez mais ironicamente, com a deleitosa vida em Lisboa:

Marrano sem vergonha /Judeu sem coisa nem fronha (…)
Só vejo piratas e tesouros / São pratas são ouros (…)
Vou no tremendo assopro dos ventos /(…)arrepia
E arrepia sim senhor/Que vida boa era a de Lisboa

Perante este novo desafio de atravessar os mares, surgem fenómenos como o descrito “Fogo-de-santelmo” que origina o espanto, o receio, o pavor. De seguida, são referidos de novo, os ventos tão inesperados como fortíssimos que provocam um naufrágio que é simultaneamente o seu destino (sorte) do marinheiro. É o seu azar que será a sua mais que provável morte …. O poeta, através deste jogo de palavras, ironiza com o fado, com o destino dos marinheiros portugueses:

O mar das águas ardendo/O delírio dos céus
A fúria do barlavento (…) / vira o barco e vai marujo ao mar
Vira o barco na curva da morte/Olha a minha sorte
Olha o meu azar

Finalmente, a última estrofe testemunha o pânico, a angústia da tripulação de várias centenas de navegantes perdidos num naufrágio ou por razões naturais ou por ataque do inimigo, neste caso, os “infiéis” mouros.

O poeta continua a driblar com as palavras para gerar o efeito de confusão, de violência onde coloca no mesmo pé de igualdade heróis e doidos, colocando-os no mesmo pé de igualdade. Ele pretende desmistificar a noção de herói ao revelar o seu pavor, a sua perdição tal qual um demente já que o ambiente era” infernal”. O verso “Vou ao fundo” exprime a morte do herói e o surgir da ideia do anti-herói: aquele que revela fraqueza, que deixa de ser considerado um homem divinizado para passar a ser simplesmente humano, mortal. Este ambiente está evidenciado na orquestração musical de forte influência tradicional, com uma percussão alegre, de ritmo popular. A melodia envolvente, em sintonia com o texto, transmite uma energia, resultante de um jogo entre a harmonia e as constantes intervenções de um coro de vozes.

O poema termina com a refinada e cruel ironia da deliciosa vida que se vivia em Lisboa:

E depois do barco virado / Grandes urros e gritos
Na salvação dos aflitos /Esfola /mata Agarra ai quem me ajuda /
Reza/Implora/escapa ai que pagode /reza
Tremem heróis e eunucos /são mouros são turcos /
(…) Aquilo era o retrato do inferno /(…)
Vou ao fundo /e vai ao fundo sim senhor/
Que vida boa era a de Lisboa.

Este poema musicado pretende, de uma forma duplamente estética, traduzir uma mundividência do tempo dos descobrimentos. O objetivo do cantautor foi desmistificar, derrubar uma mentalidade que durante alguns séculos perdurou ao serviço de uma ideologia arreigada a valores agora contestados. Os conceitos de coragem, de heroísmo, de patriotismo são, desta forma, redefinidos, com a finalidade de abrir novos horizontes na busca da identidade do povo português.        

José Manuel Cardoso Belo. Vila Real, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2010, pp. 131-136
        
          

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 Poesia útil e literatura de resistência” (A literatura como arma contra a ditadura e a guerra colonial portuguesas), José Carreiro


 Fausto (músico). In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. URL: http://www.infopedia.pt/$fausto-(musico)


Músico português, Carlos Fausto Bordalo Gomes Dias nasceu a 26 de novembro de 1948, a bordo do navio "Pátria", que viajava entre Portugal e Angola. Ao fim de vinte anos em terra africana, viajou para Lisboa onde fixou residência. Estudou no Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina e iniciou a sua carreira musical como cantor e compositor com um dos melhores agrupamentos angolanos. 


A sua vinda para a capital portuguesa permitiu-lhe conhecer novos meios artísticos e editar o seu primeiro grande sucesso, "Chora, amigo chora" - que o levou a ganhar o Prémio Revelação em 1969 - assim como aproximar-se de nomes como José Afonso, Adriano Correia de Oliveira e Manuel Freire. 

Fausto, dedicado sobretudo ao canto de intervenção, é considerado um dos mais criativos e expressivos criadores e intérpretes da música popular portuguesa. 

Destacam-se os álbuns Pró que Der e Vier (1974) e Beco sem Saída (1975), dois trabalhos marcados pela sua experiência revolucionária; Madrugada dos Trapeiros (1977), que inclui o famoso tema "Rosalinda"; Histórias de Viajeiros (1979), abordando, pela primeira vez, o tema das Descobertas; Por este Rio Acima (1982), baseado na obra Peregrinação de Fernão Mendes Pinto; O Despertar dos Alquimistas (1985), onde tenta descrever o país após a revolução do 25 de abril;Para Além das Cordilheiras (1989), que ganha o Prémio José Afonso; Crónicas da Terra Ardente (1994), onde volta ao tema dos descobrimentos portugueses; e A Ópera Mágica do Cantor Maldito (2003), uma perspetiva sobre a história portuguesa pós-25 de abril.

   
                      


[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2014/09/15/o-barco-vai-de-saida.aspx]