![]() PRA A HABANA! V Este vaise i aquel vaise, E todos, todos se van, Galicia, sin homes quedas que te poidan traballar. Tés, en cambio, orfos e orfas E campos de soledad. E nais que non teñen fillos E fillos que non tén pais. E tés corazóns que sufren Longas ausencias mortás, Viudas de vivos e mortos Que ninguén consolará.Rosalía de Castro in Follas Novas, 1880 | ![]()
CANTAR DE EMIGRAÇÃO
Este parte, aquele parte e todos, todos se vão Galiza ficas sem homens que possam cortar teu pão Tens em troca órfãos e órfãs tens campos de solidão tens mães que não têm filhos filhos que não têm pai Coração que tens e sofre longas ausências mortais viúvas de vivos mortos que ninguém consolará Repete 1ª quadra Tradução: José NizaInterpretação: Adriano Correia de Oliveira Album: Cantaremos, 1970 |
Ficha de abordagem sobre o tema
“Cantar de emigração”
1. Caracteriza a canção:
a) Quanto ao ritmo.
b) Quanto à melodia.
2. Estabelece uma relação entre a mensagem e a
melodia.
3. Identifica a figura de estilo presente no verso:
“Galiza ficas sem homens”. Salienta a sua expressividade.
4. Indica o verso que melhor exprime a problemática
essencial da peça em estudo. Justifica.
5. Estabelece um paralelismo entre o tema desta
canção e a obra Frei Luís de Sousa.
A Poesia Musicada de Intervenção em Portugal (1960-1974): a
sua aplicabilidade no Ensino Secundário, José Manuel Cardoso Belo. Vila Real, Universidade de
Trás-os-Montes e Alto Douro, 2010, p. 173.
Textos de apoio
A Simbiose Sinestésica Intertextual da Poesia Musicada em Sala de Aula: “Cantar de Emigração” (de Rosália de Castro. Interpretada por Adriano Correia de Oliveira)
Ritmo
– Quaternário
ao estilo de balada.
Melodia
– predomínio
de dedilhado da viola, tendo como resposta cristalina a flauta transversal em
jogo dialógico – pergunta resposta. Numa segunda fase, a flauta estabelece um
jogo com a voz num adágio suave mas pesaroso em agradável melopeia. Torna-se a
malha de uma canção que evoca o sofrimento de quem se encontra isolado na
solidão.
Harmonia
– A
combinação de sons entre a viola a voz e a flauta evoca o ambiente pastoril.
Análise
Semântica ‑ Esta
composição musical deixa antever de uma forma suave e cantante o êxodo de
muitos portugueses que, vivendo em Portugal em condições de extremas
dificuldades financeiras, abandonam o país e rumam em direção a um outro com
todas as condicionantes previsíveis e imprevisíveis que ofereça melhores
condições de vida. As pessoas vão em busca de uma sobrevivência que seja menos
penosa, mais promissora.
Na
primeira quadra a poetisa galega Rosália de Castro alerta para o perigo de
todos os homens abandonarem as terras – Galiza. Aproveitando os seus versos,
também Adriano, com a sua voz melodiosa, pressentia o despovoamento das zonas
agrícolas do lado de cá da fronteira. Esse desequilíbrio social iria provocar
consequências no tecido social das regiões abandonadas. Deixaria de haver a
força dos trabalhadores para cortar o trigo, o pão de que a população
necessitava.
A
quadra seguinte ouve-se uma flauta em contra-canto com a voz, num jogo de
perfeita harmonia suavizando as palavras dolorosas: “órfãos, órfãs, solidão,
mães sem filhos, filhos sem mães”. O que resta da emigração condensa-se no
simbolismo na expressão metafórica: campos de solidão. Esta espelha o
consequente desmembramento da família por força de uma sociedade espartilhada
com deficiências a nível dos tecidos: económico, social, político e cultural.
Este
canto de intervenção pretende sensibilizar as pessoas pelo sentimento evocado
na apóstrofe “coração”, para, de seguida, imbuí-lo de sofrimento
resultante das longas ausências mortais. Surgem, nesta quadra, as viúvas
angustiadas pelas ausências dos maridos ou em trabalho no estrangeiro ou na
guerra colonial. “Quando os homens não vão para África combater pela pátria,
vão para França lutar pela vida.Com a guerra a emigração é outro elemento da
radical mudança da paisagem humana operada em Portugal nos anos sessenta.”.
A
repetição da primeira quadra atenua a angústia das famílias destroçadas por um
país sem condições quer económicas quer políticas. Resta deste poema musicado,
a alusão ao mitologema português aqui presente: a vocação nostálgica do
impossível. (“O Imaginário português e as aspirações do ocidente cavaleiresco”,
Gilbert Durand. In: Cavalaria espiritual
e conquista do mundo. Lisboa, Instituto nacional de investigação
científica, 1986, p.15). O poema gera uma reação nostálgica de uma “esperança
desesperada”, sendo este o significado da habitual expressão “saudade”
tão característica dos portugueses.
[Este
poema musicado encontra-se também explorado durante a abordagem da obra de
Adriano Correia de Oliveira que se apresenta a seguir]
A Poesia Musicada de Intervenção em Portugal (1960-1974): a
sua aplicabilidade no Ensino Secundário, José Manuel Cardoso Belo. Vila Real, Universidade de
Trás-os-Montes e Alto Douro, 2010, pp. 126-127.
*
O Cantautor Adriano Correia de Oliveira (1942-1982)
Paralelamente
à obra de José Afonso, surge o cantor Adriano Correia de Oliveira, cuja voz
celebrizou o poema de Manuel Alegre “Trova do Vento que Passa” musicado por
António de Portugal – considerada a primeira trova típica de Coimbra.Com
evidente influência do fado, tornou-se o símbolo da inquietação
patriótica que serviu de hino às lutas académicas: Pergunto ao vento que
passa /notícias do meu país /e o vento cala a desgraça / e o vento nada me diz /
(…) O poeta Manuel Alegre escreveu este tema num momento de superior
inspiração. O silêncio da desgraça é simbolizado pelo vento que reprime, que
abafa o sofrimento de alguém que vive um sentimento nostálgico. Contudo, o
poeta assume-se como uma candeia, o porta-voz dos homens que, pelo seu
simbolismo, no seio das agruras de um país, ilumina, irradia sons harmoniosos
de esperança. Desse facto, resulta a tenaz resistência às adversidades tornando
o poeta o herói de todos quantos contestam a situação política vivida na época
da ditadura de Salazar: Mesmo na noite mais triste/em tempo de servidão /há
sempre alguém que resiste /há sempre alguém que diz não! Quem disse: “não”!
foi a voz eclética do cantor.
As
mensagens, os poemas cantados por Adriano assumem uma autonomia tal que se
tornam essenciais para a consciencialização dos cidadãos.
Não
obstante, destaquemos uma vez mais a inequívoca importância das canções.
Para
além de José Afonso, Adriano teve um papel fundamental no panorama musical
português. A sua persistência, os seus demais valores, a sua coragem em
defrontar as forças do regime, a sua aversão ao consumismo cultural fizeram
dele uma personalidade incontornável no canto de intervenção. A propósito,
refere-nos Manuel Alegre citado por Raposo (2000:20),
(…) A voz de Adriano era uma voz alegre
e triste, solidária e solitária, havia nele ternura e mágoa, esperança e
desesperança, amparo e desamparo, festa e luto, amor e luta. E também saudade e
fraternidade (…) voz de fado e de destino herança talvez do mouro e do celta
que nos habitam, a voz de Adriano tinha também o masculino apelo do rebate e do
combate.
Adriano
intervém como intérprete, compositor e participante em iniciativas de carácter
estudantil. A sua coragem extravasou toda a sua vida académica e prosseguiu com
a interpretação de temas que desafiavam a força da repressão tais como: a falta
de liberdade e a consequente prisão dos opositores ao regime, a denúncia da
guerra colonial e injustiças resultantes de uma realidade adversa. A “Canção
Terceira” argumenta:
(…) quando desembarcarmos no Rossio/Vão
vestir-te com grades /que é um vestido para todas as idades /na pátria dos
poetas em Rossio triste.
Esta
necessidade de apelidar o país de pátria dos poetas constitui-se como um
apelo à pátria de pessoas livres. Tal como se encontrava o país, o poeta
considerava-o um triste destino, o destino da gente do meu país,
“como alude na canção “Pátria”. O lamento persiste sobre todos aqueles que
pereceram em luta com “uma Lisboa”, sinédoque de Portugal, tão longínqua de um
canto alegre, promissor, “Eu canto um mês com lágrimas /…em que os mortos
amados batem à porta do poema …”. Apesar da morte de um amigo que tanto
desejava estar em Lisboa expresso na “Canção com Lágrimas”, o cantautor revela
um sentimento de esperança relativamente ao país:
Com Lisboa tão longe ó meu irmão tão
breve /que nunca mais acenderás no meu o teu cigarro /eu canto para ti Lisboa à
tua espera.”
A
denúncia, a frontalidade sem restrições são apresentadas com a voz imbuída de
coragem sob a forma de poema “em Porque” de Florbela Espanca. Apresentado numa
estrutura antitética na qual os outros por oposição a um tu são
considerados “hipócritas, cobardes e fracos”. Sofia de Mello Breyner de uma
forma sub-reptícia pretendeu qualificar todos aqueles que se serviam do velho
Regime desses defeitos, contrapondo as virtudes das vítimas inocentes que eram
objeto de medidas persecutórias. É na voz de Adriano que este poema adquire uma
maior projeção, um novo dinamismo:
Porque os outros se mascaram mas tu não
/ Porque os outros são os túmulos caiados /Onde germina calada a podridão
/Porque os outros se calam mas tu não/ Porque os outros se compram e se vendem
/E os seus gestos dão sempre dividendos…/Porque os outros vão à sombra dos
abrigos /E tu vais de mãos dadas com os perigos/Porque os outros calculam mas
tu não.”
O
sofrimento do povo português persiste e é denunciado de forma metafórica,
todavia, não menos objetiva. No tema de Manuel da Fonseca “Tejo que lavas as
águas” o rio assume-se como a fonte regeneradora dos vícios de uma sociedade
conspurcada de injustiças, de exploração dos mais poderosos sobre os
miseráveis, os mais necessitados, uns nos palácios, outros nos bairros de lata:
Tejo que lavas as águas …/lava bancos e
empresas/dos comedores de dinheiro/que dos salários de tristeza/arrecadam lucro
inteiro/lava palácios vivendas/casebres bairros de lata/leva negócios e rendas
/que a uns farta e a outros mata.
O
poeta solicita ao Tejo que lave a cidade – entenda-se país - dos vícios, dos
favores, do poder dos ricos e finalmente das grades, de tudo o que impeça a
liberdade dos resistentes. E prossegue:
Lava avenidas de vícios /vielas de
amores venais /lava albergues e hospícios /cadeias e hospitais /afoga empenhos
favores/vãs glórias ocas palmas /leva o poder dos senhores/que compram corpos e
almas /leva nas águas as grades …
Por
seu turno, a liberdade é uma bandeira que Adriano nunca deixou de brandir, de
desejar, desde o tempo da capa negra que se assemelhava a uma rosa negra,
símbolo do desejo de liberdade, das lutas travadas com as forças da opressão.
Tal é notório na composição “Capa negra rosa negra” ‑ capa negra, rosa negra
sem roseira…/vira costas à saudade /bandeira da liberdade.”
Confessa-se,
de seguida, livre cantador como as aves, que não pode viver na repressão.
O
tema popular “Lira” confere a Adriano o estatuto de um verdadeiro poeta que na
impossibilidade de sobrevivência da lira, símbolo da liberdade musical e
poética, solicita, por analogia ao mito de Orfeu, a sua própria morte. Uma
questão se impõe: como poderá o poeta exercer a sua missão se acaso não puder
usufruir da sua própria liberdade?
Perante
a morte da lira, ícone do encantamento quer da linguagem poética quer da
linguagem musical, o poeta deixou de ter importância, de ter valor numa atitude
de desafio, de coragem. Propõe-se morrer com o objetivo de se tornar mártir,
apelando, deste modo, para a nobreza do ato poético. Pretende o poeta apelar à
consciência e sucessiva mobilização das demais pessoas para o seu sofrimento:
Morte que mataste lira /mata-me a mim
que sou teu /Morte que mataste lira /mata-me a mim que sou teu /mata-me com os
mesmos ferros /com que a lira morreu …/o que mais sofre sou eu.”
O
Tema do Ultramar foi motivado pelo forte descontentamento, não só dos homens mobilizados
para combate como dos seus familiares e uma grande maioria dos portugueses da
época. Vários foram os motivos evocativos da referida guerra, caso da canção
“Pedro Soldado” que indica o caminho de tantos jovens que interromperam as suas
aspirações para, segundo os preceitos da ditadura, defender “os interesses da
nossa pátria”. Assim partiram com o nome bordado num saco cheio de ilusões,
como refere a composição de Adriano:
Triste vai Pedro soldado numa rota de
barcos que vai para a guerra,/ Já lá vai Pedro soldado/Num barco da nossa
armada /…e leva o nome bordado num saco cheio de nada.
Outro
dos temas musicais é a” Menina dos olhos tristes” de Reinaldo Ferreira que, à
semelhança das nossas cantigas de amigo, lamenta-se, chorando, a ausência de um
soldado, ente querido, que jamais regressará do Ultramar. A mensagem recebida
pela Lua, sempre companheira, confidente em momentos de profundo sofrimento,
informa que ele, afinal, virá defunto, num caixão eufemisticamente referido
como caixa de pinho:
“Menina dos olhos tristes/O que tanto a
faz chorar /O soldadinho não volta /do outro lado do mar / Anda tão triste um
amigo /uma carta o fez chorar/O soldadinho não volta /do outro lado do mar/O
soldadinho já volta /está mesmo quase a chegar/vem numa caixa de pinho/do outro
lado do mar/desta vez o soldadinho nunca mais se fez ao mar/.
Este
tema, sinédoque de um problema sociológico que perpassou transversalmente toda
a sociedade portuguesa entre 1961 e 1974, infligiu milhares de vítimas mortais
e feridos com marcas físicas e traumáticas que perduram até nossos dias, aliás
como já foi referido no capítulo referente ao tema.
O
argumento é repetido na canção: “As balas”. Adriano e Manuel da Fonseca
estabelecem uma dicotomia entre a vida e a morte. Em todos os três primeiros
versos de cada quadra, à exceção da última, os poetas tecem um elogio à vida
por oposição ao último verso de cada quadra onde alertam para o sofrimento das
balas que derramam sangue. De destacar a última quadra que reforçam as razões e
as consequências da utilização das balas:
“Dá o Outono, as uvas e o vinho, /Dos
olivais, azeite nos é dado. /Dá a cama e a mesa o verde pinho, /As balas deram
sangue derramado. (…) Essas balas deram sangue derramado, /Só roubo e fome e o
sangue derramado. /Só ruína e peste e o sangue derramado, /Só crime e morte e o
sangue derramado.”
A
“Canção do Soldado” satiriza, recorrendo a uma metáfora cabalística – das
sete balas, sete flores de limão p’ra lutar até morrer. Desta afirmação
subjaz a violência atroz de uma luta fratricida. O conceito de guerra é
satirizado por uma pretensão absurda de lutar até vencer como se a guerra se
vencesse, única e exclusivamente, através das armas. Para contestar essa ideia,
os poetas, numa atitude pacifista, entregam o estandarte como renúncia à
guerra:
Sete
balas só na mão/ Já começa amanhecer. /Sete flores de limão/P’ra lutar até
vencer. / Sete flores de limão/P´ra lutar até morrer. /Já o rouxinol
cantou/Tomai o nosso estandarte. / No seu sangue misturado/Já não há
desigualdade. /No seu sangue misturado/Já não há desigualdade.
Sete balas só na mão/ Já começamos a amanhecer. /Sete flores de limão/Para lutar até vencer.
Sete balas só na mão/ Já começamos a amanhecer. /Sete flores de limão/Para lutar até vencer.
Um
outro grande tema de Adriano, e simultaneamente de carácter relevante para a
nossa identidade como povo, é a Emigração. O papel de Adriano foi fundamental
para que as pessoas se interrogassem sobre as causas do êxodo de muitos
portugueses. Para tal, interpretou um poema da galega Rosália de Castro:
“Cantar de Emigração”. Neste poema, a
poetisa referindo-se à sua região da Galiza tece um panorama, que na perspetiva
de Adriano Correia de Oliveira, se repete em Portugal. Na impossibilidade de o
poder referir livremente por razões políticas, Adriano recorre a este tema
musical com o objetivo de confirmar mais um estigma da sociedade portuguesa
para além do referente à guerra do ultramar – a saga da emigração. É
estabelecido um paralelismo entre as regiões da Galiza e a do Norte de Portugal
pelas suas afinidades socioculturais e geográficas.
Esta
composição musical deixa antever, de uma forma suave e cantante, o êxodo de
muitos patriotas que, vivendo em Portugal em condições de extremas dificuldades
económicas, abandonam o país e rumam em direção a um outro, com todas as
condicionantes previsíveis e imprevisíveis, que ofereça melhores condições de
vida. As pessoas vão em busca de uma sobrevivência que seja menos penosa, mais
promissora.
Na
primeira quadra, a poetisa alerta para o perigo de todos os homens abandonarem
a terra – os desvalorizados espaços rurais, deixando de haver a força humana
para cortar o trigo, o pão de que as populações necessitam. Para Vieira
(2000:25)
(…) os campos despovoam-se ainda mais e cava-se
um grande fosso estrutural entre o litoral e o interior do país. A agricultura
estagna, com uma taxa de um por cento ao longo da década …a população ativa nos
campos decresce, entre 1960 e 1970 de 44% para 32% do total. Este é o momento
em que Portugal, contrariando a vontade mais íntima de Salazar, perde a
identidade rústica assumindo um perfil de país industrial.
Na
quadra seguinte ecoam as palavras dolorosas: órfãos, órfãs, solidão, mães
sem filhos, filhos sem mães. O que resta da emigração condensa-se no
simbolismo da expressão metafórica ‑ campos de solidão. Esta espelha o
consequente desmembramento da família por força de uma sociedade espartilhada
com deficiências a nível dos tecidos económico, social, político e cultural.
Este canto de
intervenção pretende despertar nas pessoas o sentimento evocado na apóstrofe: “coração”
para, de seguida, imbuí-lo de sofrimento resultante das longas ausências
mortais. Surgem, nesta quadra, as viúvas angustiadas pelas ausências dos
maridos ou em trabalho no estrangeiro ou na guerra colonial. A este propósito,
Vieira (2000:25) explica:
(…) quando os homens não vão para África
combater pela pátria, vão para França lutar pela vida.Com a guerra a emigração
é outro elemento da radical mudança da paisagem humana operada em Portugal nos
anos sessenta”.
A
repetição da primeira quadra atenua a angústia das famílias destroçadas por um
país sem condições quer económicas quer políticas. De acrescentar neste poema
musicado, a alusão ao mitologema português aqui presente: a vocação
nostálgica do impossível como refere Durand (1986:15). O poema gera uma
reação nostálgica de uma esperança desesperada, sendo este o significado
da habitual expressão “saudade” tão característica dos portugueses.(1)
A resignação, o sofrimento de “longas ausências até mortais que transparecem da
composição, ao estilo de balada, evoca as autóctones cantigas de amigo:
Este
parte, aquele parte /e todos, todos se vão
Galiza ficas sem homens /que possam cortar teu pão
Tens em troca /órfãos e órfãs
Tens campos de solidão /tens mães que não têm filhos
Filhos que não têm pai
Coração /que tens e sofre
Longas ausências mortais /viúvas de vivos mortos
Que ninguém consolará
Galiza ficas sem homens /que possam cortar teu pão
Tens em troca /órfãos e órfãs
Tens campos de solidão /tens mães que não têm filhos
Filhos que não têm pai
Coração /que tens e sofre
Longas ausências mortais /viúvas de vivos mortos
Que ninguém consolará
Por sua vez, na
canção de Rosália “Emigração” interpretada por Adriano, assistimos a uma
réplica de situação real. Na verdade, a poetisa apresenta a sua mãe em discurso
direto. Esta suplica a Deus a proteção para a filha. A cantora prossegue,
enfatizando a infelicidade de um outro homem ter nascido e não dispor das
mínimas condições para se realizar tanto profissional como economicamente.
Finalmente,
a compreensão da poetisa por quem abandona a sua terra “coitado”. Ela considera
que terá razões plausíveis para trocar a sua vida de aparente bem-estar na sua
terra, por uma situação desconhecida, diferente, contudo, mais promissora em
termos financeiros. Salientamos o epíteto de “coitado”, de alguém que não se
conforma com um possível destino que lhe estaria “predestinado”. Deste modo,
aventura-se numa luta, num esforço que lhe poderá suscitar uma vida melhor quer
a nível económico, quer social, quer político.”(2) Esse sofrimento
nostálgico, de separação relativamente à família e ao país está vincado, uma
vez mais, no tema cantado por Adriano ”Quando no Silêncio das noites de luar”(3)
Quando
no silêncio das noites de luar, /Ia uma estrela pelos céus a correr, /
Dizia minha mãe de mãos erguidas. /Dizia minha mãe de mãos erguidas.
Deus, te guie por bem. /Deus, te guie por bem.
Desde então quando vejo que um homem, /Deixa a terra onde infeliz nasceu, /
E fortuna busca noutras praias, digo. /E fortuna busca noutras praias, digo
Deus, te guie por bem. /Deus, te guie por bem.
Desde então quando vejo que um homem, / Deixa a terra onde infeliz nasceu,
E fortuna busca noutras praias, digo. / E fortuna busca noutras praias, digo.
Não o culpo coitado não o culpo, / Nem lhe rogo pragas nem castigos,
Nem de que é dono de escolher, me esqueço. Nem de que é dono de escolher, me esqueço
Porque quem deixa o seu torrão natal, / E fora dos seus caminhos põe os pés,
Quando troca o certo pelo incerto. /Quando troca o certo pelo incerto.
Motivos há-de ter. / Motivos há-de ter. / Motivos há-de ter.”
Dizia minha mãe de mãos erguidas. /Dizia minha mãe de mãos erguidas.
Deus, te guie por bem. /Deus, te guie por bem.
Desde então quando vejo que um homem, /Deixa a terra onde infeliz nasceu, /
E fortuna busca noutras praias, digo. /E fortuna busca noutras praias, digo
Deus, te guie por bem. /Deus, te guie por bem.
Desde então quando vejo que um homem, / Deixa a terra onde infeliz nasceu,
E fortuna busca noutras praias, digo. / E fortuna busca noutras praias, digo.
Não o culpo coitado não o culpo, / Nem lhe rogo pragas nem castigos,
Nem de que é dono de escolher, me esqueço. Nem de que é dono de escolher, me esqueço
Porque quem deixa o seu torrão natal, / E fora dos seus caminhos põe os pés,
Quando troca o certo pelo incerto. /Quando troca o certo pelo incerto.
Motivos há-de ter. / Motivos há-de ter. / Motivos há-de ter.”
Para
finalizar, Manuel Alegre, citado por Barroso (2000:169), conclui sobre a
importância dos dois cantautores no canto de intervenção, destacando o valor da
interpretação musical na divulgação dos textos poéticos,
Importa salientar a importância que
tiveram as trovas do Adriano e as baladas do Zeca como estímulo e fatores de
mobilização da luta estudantil. Importa ainda sublinhar que essa junção da
poesia e da música constituiu na altura o verdadeiro vanguardismo estético
português (…) Pela voz de Adriano Correia de Oliveira os poemas chegavam ao
povo e ao país inteiro, a tal ponto que alguns desses poemas deixaram de ter
autor para passarem a fazer parte da nossa memória comum e do nosso canto
coletivo. Eu já não sinto como meus alguns poemas que Adriano cantou”.
________________
(1) A consciencialização
conseguida através das canções de intervenção foi reconhecidamente eficaz como
destaca Sá Viana, Ministro da Defesa citado por Raposo (2000:21) “os efeitos
demolidores no moral das tropas que certas canções produziam.”
(2) Adriano
confessa in Raposo (2000:21) que a canção antes do 25 de Abril, desempenhou um
papel importante, um papel complementar da outra luta, a luta política junto
das massas populares e da classe operária. Ela foi o estímulo, o grito de
alerta, a denúncia da ausência de liberdade, da exploração na terra e na
fábrica, de guerra e da emigração. Pela minha parte insisti muitas vezes em
fazer canções que pudessem tocar de certo modo, as pessoas naquilo que elas
pudessem compreender mais facilmente”.
(3) Poema de Curros Henriquez, musicado por
José Niza .
A Poesia Musicada de Intervenção
em Portugal (1960-1974): a sua aplicabilidade no Ensino Secundário,
José Manuel Cardoso Belo. Vila Real, Universidade de Trás-os-Montes
e Alto Douro, 2010, pp. 66-74.
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gallegos”, María del Carmen Porrúa. Actas do
Congreso Internacional de estudios sobre Rosalía de Castro e o seu tempo (III).
Santiago de Compostela: Consello da cultura Galega / Universidade de Santiago
de Compostela, 403-411. Reedición en poesia-galega.org.
Arquivo de poéticas contemporáneas na cultura. http://www.poesiagalega.org/arquivo/ficha/f/2342,
2012 [1986].
[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2014/09/19/cantar-de-emigracao.aspx]