sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

ANTERO DE QUENTAL, UMA TRAJETÓRIA COM DEUS


 ANTERO DE QUENTAL         João de Deus
  
  
A João de Deus
   
Se é lei, que rege o escuro pensamento,
Ser vã toda a pesquisa da verdade,
Em vez da luz achar a escuridade,
Ser uma queda nova cada invento;

É lei também, embora cru tormento,
Buscar, sempre buscar a claridade,
E só ter como certa realidade
O que nos mostra claro o entendimento.

O que há de a alma escolher, em tanto engano?
Se uma hora crê de fé, logo duvida:
Se procura, só acha… o desatino!

Só Deus pode acudir em tanto dano:
Esperemos a luz d'uma outra vida,
Seja a terra degredo, o céu destino.
       
Antero de Quental
  
  
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O PENSAMENTO DE DEUS
Deus é alvo de uma conceção dúbia por parte de Antero, já que, mercê da sua educação religiosa, é visto como um meio de evasão: "Só Deus pode acudir em tanto dano:/ Esperemos a luz de uma outra vida, seja a terra degredo, o céu destino" (Op. cit.:174). Mas o que prevalece nesta fase, é sobretudo pensar Deus como inconsciente, numa nítida influência de Hartmann: "Chamam-me deus há mais de dez mil anos.../ Mas eu por mim não sei como me chamo..." (Op. cit: 170).
http://www.citi.pt/cultura/literatura/poesia/quental/opdd.html
              
                
              
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PENSANDO O SENTIMENTO
No Ciclo do Pensamento de Deus (SÉRGIO, 1956, p.231), o soneto “A João de Deus”, escrito entre 1860 e 1862 (CARREIRO, p.135), já nos antecipa a ideia surgida em 1865, quando Antero traça oposições entre seu poema “Luz do Sol, Luz da Razãoe o de João de Deus,“Luz da Fé”:
A minha fé vira-se mais para a terra do que para o céu. O João prefere o céu. Mas quem tem culpa deste desacordo é ele mesmo. Pois, terra digna de ele a pisar e viver nela, não valerá bem um céu, qualquer que ele seja? (CARREIRO, p.139)
A resposta dada por Antero a M. P. da Rocha Viana, em 1865, (CARREIRO, p.139) concretiza a ideia da diferença entre a visão de Deus dos dois poetas: se para Antero a fé precisa ser clara e racionalizada,
É lei também, embora cru tormento,
Buscar, sempre buscar a claridade,
E só ter como certa realidade
O que nos mostra claro o entendimento. (QUENTAL, 1956, p.235)
para João de Deus ela é prenúncio de eternidade e só através dela se chegará à ressurreição: “Seu Deus é compassivo, remunerador, pai, enfim, e a morte não é morte, mas ressurreição”. (BERARDINELLI, p.10)
À necessidade de entendimento e clareza da fé de Antero, toda voltada para a terra, opõe-se a fé incondicional de João de Deus, séria e devotamente voltada para o céu:
Segues-me sempre...e só por ti suspiro!
Vejo-te em tudo...terra e céu te esconde!
Nunca te vi...cada vez mais te admiro! (JOÃO de DEUS, p.75)
No poema anteriano, o primeiro terceto nos mostra a perceção do autor, perdido que está em meio ao sentimento contraditório que se lhe apresenta:
O que há-de a alma escolher, em tanto engano?
Se uma hora crê de fé, logo duvida:
Se procura, só acha ... o desatino! (QUENTAL, 1956, p.235)
Mas ainda persiste a crença latente num Deus maior, é nEle, nas Suas mãos, que repousa a certeza de uma solução para Antero: entre tantas dúvidas, só em Deus estará a resposta:
Só Deus pode acudir em tanto dano:
Esperemos a luz duma outra vida,
Seja a terra degredo, o céu destino. (Ibidem, p.235)
É de se notar o tom de certeza no imperativo do verbo ser do último verso: a ideia do Deus só perdão, ainda está lá.
Antero de Quental: Uma trajetória com Deus, Helen Araujo Mehl.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, setembro 2003, 
pp. 26-27.
  
  


 

  
  


OS SONETOS DE ANTERO DE QUENTAL
[…]
O movimento como elemento característico destes Sonetos relaciona-se com o antitetismo que, de acordo com a estrutura deste género64, está também na origem daqueles em que o movimento se manifesta menos acentuado por interrogações e exclamações.
São característicos a esse respeito títulos tais como Diálogo, Tese e Antítese, Disputa em Família e Luta, e igualmente a palinódia de A um Crucifixo de 1862 pelo soneto do mesmo título, de 1874. Os monólogos Amor vivo, Mea Culpa, Voz do Outono, Estoicismo, Comunhão, Solemnia Verba são expressões da luta interior do Poeta; Ignoto Deo, Divina Comédia, Ignotus e Logos, do seu conflito com Deus; os grupos de A Ideia I-VIII, Espiritualismo I-II e Elogio da Morte I-VI, têm estrutura dialética. Em trinta e nove dos cento e nove sonetos do volume, o antagonismo é marcado por «mas» (ao lado de «contudo», «entanto», «porém»), em quatro, por «e» adversativo, em sessenta e sete por outros meios: contra-afirmações, imperativos ou meras antíteses. Mesmo o último soneto do volume, Na Mão de Deus, no intuito do Poeta o seu termo estética e filosoficamente conciliador, é, nesta sua função, determinado pelo antagonismo que nele aparece reconciliado.
As noções de Antero são impregnadas de antagonismos intrínsecos. Deus, procurado, acreditado e suplicado, é ao mesmo tempo o Ser que se oculta no infinito, que se esquiva, insondável e eternamente silencioso, que estabelece a lei da busca da Verdade e igualmente a contrária, que torna vã toda a sua pesquisa:
É lei de Deus este aspirar imenso...
E contudo a ilusão impôs à vida,
E manda buscar luz e dá-nos treva! (A Santos Valente),
e
Se é lei, que rege o escuro pensamento, 
Ser vã toda a pesquisa da Verdade, 
Em vez de luz achar a escuridade, 
Ser uma queda nova cada invento,

É lei também, embora cru tormento, 
Buscar, sempre buscar a claridade, 
E só ter como certa realidade 
O que nos mostra claro o entendimento. (A João de Deus)
  
Assim, aparece como «fantasma» odiado e amado (O Inconsciente), como «tirano», «grande», «forte», «terrível», potência receada, inimigo da liberdade que busca a Verdade, e todavia como vã banalidade» (Disputa em Família), ser que a si próprio ainda não se «encontrou» (Ignotus). A síntese deste conceito de Deus invisível, mas presente, que domina no íntimo da alma, que está na origem dos sentimentos e das noções, apenas Imaginado e todavia receado, invocado e silencioso, inexorável e todavia adorado, aparece no soneto
LOGOS

Tu que eu não vejo, e estás ao pé de mim,
E, o que é mais, dentro em mim — que me rodeias
Com um nimbo de afetos e de ideias,
Que são o meu princípio, meo e fim...

……………………………………………
……………………………………………
……………………………………………
……………………………………………

És um reflexo apenas da minha alma,
E em vez de te encontrar com fronte calma
Sobressalto-me ao ver-te, e tremo e exoro-te...

Falo-te, calas... calo, e vens atento...
És um pai, um irmão, e um tormento
Ter-te a meu lado… és um tirano, e adoro-te!
  
Cristo ficou privado da imortalidade, definitivamente humilhado e aniquilado, «morto», pela divinização (Palavras dum certo Morto). Por outro lado, o triunfo da Razão extática ao proclamar que Deus morreu, é apenas a expressão da«(eterna, trágica ironia» de Deus (Quia ӕternus).
O Homem, por sua vez, submetido à lei que lhe impõe buscar a verdade e daquela que torna vã esta mesma aspiração, é dilacerado pela fé e pela dúvida, pela confiança e pela revolta. As suas interrogações perdem-se, inatendidas, no vácuo, respondem-lhe apenas o eco das próprias dúvidas e tristezas e o silêncio impassível, e em vez de encontrar a luz da Verdade, o espírito ansioso perde-se na escuridão impenetrável. Já num dos primeiros dos seus Sonetos, em Ad Amicos, escrevia
(...) nossa alma é como um hino
À luz, à liberdade, ao bem fecundo,
Prece e clamor dum pressentir divino,

Mas num deserto só, ávido e fundo,
Ecoam nossas vozes, que o Destino
Paira mudo e impassível sobre o Mundo.
  
No Palácio da Ventura, dirá:
Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!

……………………………………………
……………………………………………
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……………………………………………

Com grandes golpes bato à porta e brado:
……………………………………………
Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d’ouro com fragor...
Mas dentro encontro só cheio de dor
Silêncio e escuridão—e nada mais!
  
Ainda nos posteriores e últimos sonetos leem-se versos semelhantes:
Penetrando, com fronte no enxuta,
No sacrário do templo da Ilusão,
Só encontrei, com dor e confusão
Trevas e pó, uma matéria bruta... (Transcendentalismo);

É tudo, em torno a mim, dúvida e luto,
E, perdido num sonho imenso, escuto
O suspiro das coisas tenebrosas... (Lacrimae rerum);

(...) na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais... (Oceano Nox).
  
As ideias que agitam e atormentam o Poeta, brotadas do seu próprio íntimo, incompreensíveis a ele mesmo, são invocadas simultaneamente como «irmãos» e «algozes», «visões misérrimas e atrozes» (No Turbilhão). Do ideal que na sua consciência existe e que procura atingir, sabe ao mesmo tempo que é inatingível, e a inteligência e o anseio transformam-se em sonho e tormento:
Conheci a Beleza que não morre
E fiquei triste (...)
……………………………………………
……………………………………………

……………………………………………
……………………………………………
……………………………………………
……………………………………………

Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,
Tropeço, em sombras, na matéria dura,
E encontro a imperfeição de quanto existe.

Recebi o batismo dos poetas,
E assentado entre as formas incompletas
Para sempre fiquei pálido e triste (Tormento do Ideal).
Do sonho em que se perdeu ou no qual se recolheu, é acordado para voltar a sofrer tormentos e dores:
Em sonho, às vezes, se o sonhar quebranta
Este meu vão sofrer, esta agonia,
Como sobe cantando a cotovia,
Para o céu a minh'alma sobe e canta.

Canta a luz, a alvorada, a estrela santa,
Que ao mundo traz piedosa mais um dia...
Canta o enlevo das coisas, a alegria
Que as penetra de amor e as alevanta...

Mas, de repente, um vento húmido e frio
Sopra sobre o meu sonho: um calafrio
Me acorda - A noite é negra e muda: a dor

Cá vela, como dantes, a meu lado...
……………………………………………
…………………………………………… (Acordando)
   
A morte aparece como Mors Liberatrix sob a imagem da espada resplandecente que rasga a escuridão, e, na duplicidade de Mors-Amor, como cavaleiro vestido de armadura reluzente, cavalgando um «negro corcel».
Os antagonismos penetram nos próprios pormenores da expressão e das imagens.
Assim, Deus é caracterizado como «gota de mel em taça de venenos» (Ignoto Deo); leva através de «regiões inominadas, cheias/De encanto e de pavor..., de não e sim» (Logos); «manda buscar luz e dá-nos trevas» (A Santos Valente); impõe à humanidade a lei de ser «vã toda a pesquisa da verdade, / Em vez da luz achar a escuridade., calei de embora em tormento,/Buscar, buscar sempre a claridade» (A João de Deus). A Ideia com tanto fervor solicitada recusa-se-lhe como «virgem desdenhosa (A Ideia V), mas não deixa de ser o único conforto que ao Homem resta:—«não há na vida/Sombra a cobrir melhor nossa cabeça, / Nem balsamo mais doce que adormeça / Em nós a antiga, a secular ferida» (A Ideia VI), e é encontrada, «onde a noite tem mais luz que o nosso dia» (A ideia VII). O Céu aparece como imenso e estreitos (Consulta), o Homem, como «mixto infeliz de trevas e de brilho» (Homo), as almas pairam entre luz e horrores» (Velut Umbra). «Cruel e delirante, é o turbilhão de dor, pecado, ilusão e luta, que envolve a Humanidade (Divina Comédia); nos seus excessos blasfemos, os ímpios e ateus gemem sob o peso da tristeza e da impotência que sentem e da sua ânsia de infinito, e no seu rir não vibra a alegria da serenidade superior, —é «um rir feito de fel e de impureza» (O Convertido). A zona da Morte é constituída por regiões sagradas / E terríveis», a própria Morte apresenta-se como vulto Tenebroso e sublime, / Formidável, mas plácido» (Mors-Amor), que derruba e consola, aniquila e redime — «Firo, mas salvo...», «Prostro e desbarato / Mas consolo... Subverto, mas resgato» (Mors Liberatrix)—, como funérea Beatriz de mão gelada… / Mas única Beatriz consolador» (Elogio da Morte III); a sua ironia é «Sinistramente estranha, atroz e calma» (Anima mea), e
Verbo velado
Silencioso intérprete sagrado
Das coisas invisíveis, muda e fria,

E, na sua mudez, mais retumbante
Que o clamoroso mar, mais rutilante,
Na sua noite, do que a luz do dia (O que diz a Morte).
  
O Nirvana abre-se como «vácuo tenebroso» para além do ir universo luminoso» que, sobre o fundo do Nada, se revela como ilusão e vazio. (Nirvana), e o Não-Serrevela-se como o único Ser verdadeiro, absoluto (Elogio da Morte VI).
Sobretudo é o antagonismo entre luz e trevas que domina na imaginação de Antero. A luz aparece relacionada com o Divino e o Sublime, a Verdade e a Beleza, a Fé e a Ideia, o Amor puro e o Pensamento puro, a Liberdade e o Heroísmo, mas também com a inquietude de ansias febris, lutas absurdas e torturantes, revelações aniquiladoras e inexoráveis; a escuridão aparece relacionada com o terrestre e a imperfeição, a ilusão e a aparência, a descrença e a incerteza, a dúvida e a angústia, o abismo e o vácuo, mas também com o sossego e o esquecimento, a harmonia e a paz do Nirvana e do Não-Ser da Morte que, oposto ao Ser inquieto, perturbador da Vida, apenas aparente, ilusória e dolorosamente desenganadora, é o Ser absoluto, sempre o mesmo, imóvel e Imutável.
Tão pouco como o antagonismo dos sonetos Tese e Antítese aparece reconciliado num terceiro soneto que devia intitular-se Síntese, tao pouco aparecem reconciliados os antagonismos que na Obra de Antero surgem.
Contudo, não se trata de antagonismos estáticos e absolutos, mas dinâmicos, e entre os quais os fenómenos como que pairam e se extinguem, correm e discorrem, se revelam e se ocultam, se perdem e se confundem. Deus aparece como visão sonhada que se reflete na alma do Poeta «como sobre o mar o Sol se espelha» (Ignoto Deo); ainda em Logos lê-se: «És um reflexo apenas da minha alma». O Supremo Ideal também é «visão / Que ora amostra ora esconde o meu destino...» e «Nuvem, sonho impalpável, do desejo» (Ideal). O Universo repleto de vultos e forças, vida e movimento, aparece sob a imagem do mar tumultuoso e tempestuoso (Nirvana e Voz interior), o Mundo, a perder a cor à luz da Beleza imortal, «bem como a nuvem que erra / No pôr do Sol e sobre o mar discorre» (Tormento do Ideal)65 ou como «fumo ondeando, / Visões sem ser, fragmentos de existência... / Uma névoa de enganos e Impotências / Sobre vácuo insondável rastejando...» (Contemplação). Outras imagens do género são as do tempo que corre incessante e «num turbilhão cruel e delirante», «só gera, inextinguíveis, / Dor, pecado, ilusão, lutas horríveis (Divina Comédia), da glória, «fumo que sobre o abismo anda suspenso» (A Alberto Sampaio), ou clarão de extinta chama», «Foco incerto, que a luz já mal derrama», «eco perdido» e «miragem em nuvem ilusória» (A M. C.), do Belo e do Sublime que como nuvens acasteladas, em fumo se vão (Velut umbra), do Pensamento como «vapor que se esvai e se dissolve», e a Vontade como onda que «entre rochedos se espedaça» (Ad Amicos), a Ideia como «encoberta peregrina», «Pálida imagem que a água de algum rio, / Refletindo, levou... incerta e fina / Luz, que mal bruxuleia pequenina... / Nuvem, que trouxe o ar, e o ar sumiu.... (A Ideia V). «Incerta peregrina, a alma oscila entre a imortal beleza, que a prende, e a «eterna pátria que aspira...» (Aspiração), entre fé e dúvida, entre esperança e desengano—«Se uma hora crê de fé, logo duvida; / Se procura, só acha... o desatino!» (A João de Deus) —,envolvida pela «névoa baça» da «incerteza das cousas», «nas suas próprias redes se embaraça» (Ad Amicos). Descrente, triste e desesperado, Antero apresenta-a, em todo o seu abandono e em toda a sua solidão, sob a imagem da ave impiedosamente desterrada e de asas partidas, e da vela pelos tufões arrojada pelo mar (Despondency). Como «vago peregrino, apresenta também o Homem (A Ideia II), abandonado à incerteza: — «O que procuro, / Se me foge, é miragem enganosa, / Se me espera, pior, espectro impuro... / Assim a vida passa vagarosa: / O presente, a aspirar sempre ao futuro: / O futuro, uma sombra mentirosa» (A Felix dos Santos). Ainda num dos sonetos do último ciclo, refere-se ao Homem que «vaga desolado / E em vão busca a certeza que o conforte) (Lacrimae rerum). Até no último soneto composto, em Com os Mortos, evoca a imagem da fuga e disperso contínuas:
Os que amei, onde estão? idos, dispersos, 
Arrastados no giro dos tufões, 
Levados, como em sonho, entre visões, 
Na fuga, no ruir dos universos... 

E eu mesmo, com os pés também imersos 
Na corrente e à mercê dos turbilhões, 
Só vejo espuma lívida, em cachões, 
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos...
  
A esse respeito é também notável a frequência e variedade de termos que exprimem a busca e a aspiração, o errar e a oscilação, a transição e a extinção, o correr e o pairar, ou que se referem ao vago e indefinido, à perturbação, à ilusão e ao engano:—ao lado de buscar, procurar, pesquisar, aspirar, ansiar: lutar, disputar e pedir; ao lado de ânsia, anseio, ansiedade, ansiedade, ansioso: lutas, desejo e febre do Ideal; ao lado de errar, vagar, divagar: peregrino e peregrina, vacilar e duvidar, trémulo e vacilante; ao lado de passar e fugir: correr, perder-se e perdido, sumir, sumir-se e sumido, fundir-se e fundido, desmaiar, dissipar e dissipar-se, morrer e desfalecer, murchar, consumir-se, dissolver-se, espedaçar-se, desfazer, ir-se em fumo, desvanecer-se, desaparecer e esvair-se, descer, baixar, varrer, dispersar e disperso, agonia e transitório; ao lado de flutuar, vogar, pairar e esvoaçar: onda e nuvem, fumo, vapor e suspenso; ao lado de incerto e incerteza, vago e vagante, imensidade e imensidão: duvidoso, vaporoso e escuro, trevas e escuridão, vácuo e abismo; ao lado de tormento, tormenta e tormentoso: tumultuar e tumultuoso, desatino e confusão, e turbilhão ou turbilhões; ao lado de ilusão e ilusório, engano, enganar e enganoso: miragem e sombra mentirosa.
António Sérgio, na análise dos sonetos Idílio e Palácio da Ventura, mostrou que os contrastes se estendem até aos pormenores da fonação, da rima e do ritmo, opondo, na de Idílio, o «ritmo vivo, matinal, fresquíssimo» das quadras com a sua estridula rapidez de ascenso e suas rimas em i» aos nasais de ao longe, no horizonte, amontoado, e a amplitude a súbitas quebrada, com o verso «quantas vezes, de súbito, emudeces!» ao afrouxar do movimento, seu ensurdecer em ua, e nos baixos das rimas em ua, nos tercetos, e aponta, em O Palácio da Ventura, para o contraste entre o «ritmo martelado» do verso «Sonho que sou um cavaleiro andante», e a «ondulação» do segundo, «Por desertos, por sois, por noite escura», evocando aquele o galopar do cavalo, e este, a amplidão da jornada, que parece sem fim»65.
  
“Os Sonetos de Antero de Quental” in Estudos Vol. II, Albin Eduard Beau. Acta Universitatis Conimbrigensis, Coimbra Editora, 1964, pp. 286-296. (Tradução de Die Sonette von Antero de Quental,publicado em «Portugiesiche Forschungen der Görresgesellschaft, Erste Reihe: Auísätze zur portugiesischen Kulturgeschichte», II. Münster, 1961)
  
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(64) V. W. MÖNCH, l. c. 33 e sgs.
(65) Cf. a imagem da «luz baça (...) igual à do sol posto, / Quando só nuvem lívida esvoaça» (Das Unnennbare).
(65) L. c., 96 e 134, resp. 70 e 90.



   SUGESTÃO DE LEITURA:

à Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária de textos de Antero de Quental, por José Carreiro. In: Lusofonia – plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo, 2021 (3.ª edição) <https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/Lit-Acoriana/antero-de-quental>
                
[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2014/02/07/se.e.lei.que.rege.o.escuro.pensamento.aspx]

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